Drogas
e Saúde Pública
Ricardo Valverde
Nos últimos anos, a sociedade
brasileira – seguindo uma discussão que vem ganhando força em outros países –
mudou o foco do debate sobre a questão das drogas. Historicamente encarado como
um problema de segurança e repressão policial, passou a ser visto também como
um problema de saúde pública. Um dos reforços para essa mudança de postura foi
a criação da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), liderada
pelo presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e que se inspirou na Comissão
Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, fundada pelos ex-presidentes
Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo
(México) e que foi composta por 17 personalidades dos países da região. A CBDD
é constituída por 26 personalidades de diversos setores da sociedade e que se
propõem a refletir sobre a política de drogas no país. É objetivo da comissão
ouvir especialistas de áreas relacionadas ao tema e transmitir suas conclusões
ao Governo, ao Congresso Nacional e à opinião pública. A CBBD tem por
finalidade buscar políticas e práticas que sejam mais humanas e eficazes no
enfrentamento deste grave problema.
Em 22 de agosto de 2013,
o presidente da Fiocruz e da CBDD, Paulo Gadelha, entregou ao então
presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), o anteprojeto de lei
que propõe a descriminalização do usuário de drogas. O texto foi resultado
de meses de debates ocorridos em reuniões da comissão. Na ocasião, Gadelha
também solicitou ao presidente da Câmara a disponibilização da proposta de
mudança da lei de drogas no portal E-Democracia, para consulta pública e
possível encaminhamento ao Congresso Nacional. A proposta consiste em
descriminalizar o porte e o plantio para uso próprio, com o objetivo de
garantir aos dependentes químicos tratamento de qualidade e uma rede de apoio e
atenção integral. Elaborada por juristas, a proposta já conquistou a aprovação
de importantes segmentos das igrejas católica e evangélica, além de setores
ligados à área de saúde.
Gadelha comentou ainda sobre a Lei nº
11.403, de 2006, que normatiza a política de drogas no país, e não distingue
com clareza usuário e traficante, ficando a cargo da autoridade policial
defini-la em virtude da inexistência de parâmetros. Disso decorrem distorções
como considerar traficante pessoa pega com dois gramas de maconha e em outro
flagrante considerar usuário pessoa portando 20 gramas da droga, por exemplo. A
proposta do anteprojeto é de definir, para cada tipo de droga, o quantitativo
suficiente para dez dias de consumo dos dependentes. Tal definição ficaria a
cargo de especialistas.
Para Gadelha, a forma repressiva,
judicializada e criminalizada de lidar com a questão “é e sempre será
contraproducente”. Por isso mesmo, defende que o setor Saúde esteja no centro
de uma nova política de drogas, em que as ações de remoção de usuários de crack
de territórios e a internação compulsória de dependentes não sejam o eixo
central. Nesse cenário, a Fiocruz tem papel relevante: “Pelo nosso lugar de
interface entre saúde, ciência e tecnologia, temos de oferecer de maneira
organizada a reunião de competências, estudos e evidências, para ajudar na
conformação de políticas”, afirmou Gadelha.
O presidente lembrou que a Fiocruz
definiu, por meio de seu Conselho Deliberativo, a configuração de um programa
institucional sobre drogas, que está sendo estruturado. “A Fiocruz já tem
vários projetos e atuações nesse campo. Por exemplo, concluiu recentemente a
Pesquisa Nacional sobre Crack, realizada pelo pesquisador Francisco Inácio
Bastos, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
(Icict/Fiocruz). Pelo nosso lugar de interface entre saúde, ciência e
tecnologia, temos de oferecer de maneira organizada a reunião de competências,
estudos e evidências, para ajudar na conformação de políticas. Nossa missão é a
saúde e o problema das drogas é hoje central do ponto de vista da saúde pública
— não apenas as drogas ilícitas, mas também a dependência do álcool e do
tabaco”.
A pesquisa citada por Gadelha,
conduzida pelo pesquisador Francisco Inácio Bastos, é uma das muitas
iniciativas das unidades da Fundação na área de drogas. Nas seções ao lado,
textos reúnem e comentam algumas dessas ações.
Dados obtidos de FIOCRUZ
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